terça-feira, 31 de agosto de 2010

A Turma Cabra da Peste! Um relato da FTL/B - Rio de Janeiro, junho de 2010

A Consulta Anual da FTL-Brasil-2010, aconteceu no Rio de Janeiro- RJ, nos dias 3 a 5 de junho, com o tema: De Lausanne a Cape Town: Caminhos, descaminhos e novos desafios para a Missão Integral no Brasil. Com abertura na quinta-feira as 14:00h e término no sábado às 12:30.

A turma do nordeste fez a diferença na FTL-Brasil. Palestrantes e participantes expuseram suas posições de uma forma honesta e objetiva. Quando digo honesta e objetiva, é pelo fato de ter havido franca e clara defesa das linhas teológicas assumidas nas falas e provocações nordestinas. Esses adjetivos estiveram presentes em assertivas como: “... Nossa luta é contra os poderosos, as potestades, os aliados de satanás e o Joio doméstico”; ou “... É impossível a Missão Integral abrir diálogo com as religiões de matriz africanas.” Outro exemplo, esse mais propositivo: “... Sinto falta da presença de mais teólogas participando das mesas de debates.”; Qual quer que tenham sido as bandeiras levantadas, a turma “Cabra da peste” manifestou coragem de se posicionar diante de uma plenária “educada” (leia-se perplexa) ao presenciar tais declarações dentro da “casa de Deus”, nesse caso, a monumental Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro.

Peço desculpas pelo tom belicoso, e as palavras como: defesa e bandeira. O registro dos trechos acima não foram os únicos acontecimentos da Consulta Nacional e a FTL-B não foi um palco de acaloradas querelas. Cordialidade, receptividade e liberdade de expressão foram marcas presentes no encontro. E esse é um mérito importante da FTL - Brasil, que merece todo o nosso apreço, consideração e incentivo. Em toda a consulta houve um ambiente onde o discurso teológico pôde ser manifesto com liberdade e ousadia, e por isso foi possível acontecer tais provocações. No tocante a ousadia, ela foi mais explorada pelas preletoras da turma “cabra da peste”, Odja Barros de Alagoas, na mesa de quinta-feira à noite e a Claudia Sales do Ceará, na sexta-feira à tarde. No espaço chamado: Missão integral na prática foram apresentados em data-show os fóruns de debates teológicos fomentados pela Igreja Batista do Pinheiro, Maceió-Al e a caminhada da “Igreja sem portas e janelas” da Comunidade Bultrins, Olinda-Pe, como expressões do avanço teológico do nordeste, e apresentadas por Wellington Santos e Paulo César, também na quinta-feira à noite.

Sou pouco informado para falar de Nordeste e menos ainda de Brasil, no trato das principais linhas teológicas vigentes dentro da FTL, mas tentando não chover no molhado, ou ser demagógico, “pelego” ou equivocado (não acredito que escrevi pelego!), há ainda muito no que avançar como FTL Nordeste e Brasil. A Missão Integral tem paradigmas que precisam ser quebrados, e alguns deles serão através do reconhecimento e do aprendizado com outros grupos que prosseguiram e frutificaram como bem disse Odja em sua fala, que no meu entendimento, apontou para a T.L. Ou o diálogo com as religiões de matriz africana, e seus cultos com ênfase na corporeidade, como falou Cláudia. Entretanto esses verbos, “precisam”, “ser”, e “quebrados” estão flexionados no tempo errado, pelo simples fato, de não haver uma disposição de começar ou avançar concretamente. Há um receio no ar de que qualquer avanço nessa direção abra perigosos espaços liberais. E para o público presente ambos os exemplos citados soaram como liberais, a ponto de que somente outro “cabra da peste” manifestou abertamente o constrangimento presente, se posicionando contrário a qualquer diálogo, com tais matrizes religiosas.

E talvez essa palavra LIBERAL seja a desculpa para que alguns dos expoentes e paispostolos da Missão Integral no Brasil, não queiram reconhecer que possíveis avanços só se darão não só no diálogo, mas também no estreitamento com esses e outros grupos. Penso assim, porque ao que me parece há muito mais uma preocupação em manter uma “identidade e integridade evangelical” (leia-se hegemonia), por conta de haver um temor que tal contato ou contatos tragam danos seriíssimos a nossa caminhada cristã no Brasil, como o que acontece com a Europa cristã desde o século XX (leia-se discurso fundamentalista). Acredito que em alguns setores da FTL, a palavra LIBERAL é falada como sinônimo de adversário, ou “joio doméstico”, citação de D. Robson Cavalcante. Esse é o distintivo para quem quiser buscar fazer contato com “esses totalmente outros”, e aqui tomo emprestado essa expressão para dar-lhe um sentido menos nobre, o de xenofobia. Karl Barth que me perdoe (fazendo o sinal da cruz). A Missão Integral tem todas as ferramentas para se tornar uma das continuidades da caminhada de Jesus, já que os descaminhos do Christus já foram percorridos. Para isso acontecer sugiro que basta ter a percepção de que a Missão Integral não é monolítica ou uma missão monobloco, mas sim Missão integral e acima de tudo, feita de ações que devem estar acontecendo dentro do gradiente de cores, tons, e cheiros que estão presentes nos recortes de nossa cultura brasileira. E assim apresentarmos não mais um cristianismo no Brasil e sim um cristianismo brasileiro. Como em Lausanne, no miolo da Europa capitalista, foi à ousadia de sul-americanos, e entre eles, um brasileiro “cabra da peste”, que proporcionou os olhares para a conjuntura dos cristãos pobres e miseráveis dos países oprimidos e explorados sul-equador (parodiado Paulo Nascimento), foi na Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro, um dos berços da tradição protestante no Brasil o palco para francas, livres e ousadas imagens sobre um possível aceno a uma caminhada teológica brasileira (que analogia!).

A Direção Nacional do FTL-B está de parabéns pela sua gentileza e cordialidade em receber essa turma “cabra da peste”, pela estadia franqueada na Igreja Presbiteriana de Copacabana, onde fiquei hospedado, e pela complacência de permitir tamanha “zoada” no meio dos formais crentes do sudeste, aos quais têm meus respeitos e amor no Senhor Jesus.



Johndalison Tenório da Silva - Membro da Igreja Batista do Pinheiro e seminarista do Seminário Teológico Batista de Alagoas – SETBAL.

“... O SANTO NUM GOSTA NÃO, FIO!!”

Tenho percorrido prazerosos seis quilômetros diários, em média, para ir ao trabalho. Nas muitas vantagens, além da principal que é a orçamentária, e eu não vou mentir colocando a questão da saúde em primeiro lugar, tenho tido a satisfatória oportunidade de observar, com a velocidade natural que meus olhos foram feitos para acompanhar, as coisas e fatos que estão ao meu redor.

Hoje, passando por um restaurante, notei que sua porta de serviço estava aberta. Para minha surpresa, me deparei com sete pratos abarrotados de pimentas sobre um balcão de alvenaria, que é usado para colocar as refeições para entregas. Aqueles pratos não eram enfeites para as mesas, mas sim talismãs! Parte de um rito de proteção contra agouros, auspícios invejosos, ou seja, o famigerado “mau olhado”. Tubo bem até aí! Na nossa cultura multifacetada há varias bulas para espantar esse e outros tipos de “despacho”, catimbós, pantins, caxinguelês e outros nomes, cada um mais bonito que o outro, eles fazem parte do sopão que forma o nosso anedotário popular, que inclusive são apimentados pelos nossos ditos “palavrões!” Que pelos quais, tenho grande admiração!

Más, vamos ao relato em questão! Uma coisa chamou um pouco mais a minha atenção, se estivesse no ônibus ou de carro (leia-se: Sonho de consumo) se quer conseguiria observar o restaurante, os pratinhos onde às pimentas estavam postas eram de isopor. Desses quadrados que eu e você encontramos nos supermercados e que são embalados em papel-filme. Então, não resisti. E ultimamente se você deixa a bola quicando eu chuto legal! Por isso, fui até o funcionário/proprietário ou proprietário/funcionário, e disse – Ei! Você tá fazendo errado! Com prato de isopor o santo num gosta não, fio! O cidadão não entendeu o que eu disse, e então repeti explicando. – Pra o “coiso” aí funcionar você tem que colocar as pimentas num prato de barro! Para minha surpresa ele exclamou – E ééé!? Pode sê um desses daqui? Mostrando um prato de vidro tipo Duralex. Então respondi. – Pode, pode sim! Só num pode ser nesses pratinhos aí. Não é ecológico! E “o santo num gosta não fio!!”

Tá parecendo piada, mas não é. Fui embora deixando o cidadão decidindo o que fazer. Talvez ele tenha achado que eu estava de brincadeira com ele; Ou que eu era um praticante ou até mesmo um sacerdote, e sou, pelo menos, quero ser! Por falta de um argumento melhor (1Pe. 2,8), ou um charlatão, eu luto para não ser. Enfim, não pude deixar de lado o que vi e transformei aquela situação nesse breve texto onde aproveito e exponho uma inquietação minha.

Nas religiões animistas, o ponto chave da mística ritualística é a interação dos elementos da natureza com o divino. Os atos e ações da divindade terão eficácia por meio desses elementos, eles são os veículos ou caminhos, pelos quais acontece a consumação mística desejada. E esse é um ponto. Como é que o santo iria proteger o ambiente do cidadão se ele fez o ritual com um elemento fora do contexto?! No caso o elemento em questão é o pratinho de isopor. O isopor é um derivado de petróleo, o que é mais danoso do que qualquer “olho gordo”, pois quando as pimentas secarem, quer pelo processo natural, quer pela crença de que elas atrairiam para si os maus fluídos, serão jogados no lixo pimentas e pratinhos. Nas tigelas de barro ou nos pratos de vidro só as pimentas murchas iriam para o lixo. Tigelas ou Duralex seriam reutilizadas até o fim do rito de proteção. Depois voltariam para as guarnições das refeições do estabelecimento. Aproveitando, eu quero fazer um comentário. Não acredito que Iemanjá também goste daquele monte de presentes não biodegradáveis lançados ao mar como oferendas, e que acabam poluindo as praias ou sendo levado pelas correntes marítimas para algum lixão flutuante! Ou que outra divindade de matriz africana, ou de qualquer parte do mundo, goste de alguma oferenda com esses elementos fora de contexto.

Parece que não há relação de uma coisa com a outra. Pimentas, isopor, tigelas de barros, santo, poluição. Não seria surpresa, quem me conhece sabe que eu não tenho um raciocínio linear. (leia-se: Falta de metodologia). Mas juro tentar ordenar as idéias. Vamos lá! Uma tigela de barro é manufaturada artesanalmente, sua matéria-prima sofreu manipulação direta. Os métodos de transformação não passaram por processos complexos, a exemplo da liquefação fracionada, como o que ocorre com os produtos derivados do petróleo que permanecem no meio ambiente por longos períodos de tempo, mesmo depois de inutilizados. Continuando, na manufatura artesanal de objetos religiosos há uma destinação específica. Por mais comercial que seja a produção, o artesão e o fiel tem a certeza de que aquele objeto estará fazendo parte de um culto, de um ritual. Já os objetos de manufatura em escala industrial, como pratinhos de isopor ou plásticos, terão destinação genérica. São descartáveis, sem apego sentimental da parte de quem usa. Podem abrigar um punhado de pimentas ou uma pizza congelada!

Analogamente nós fazemos o mesmo ato falho do cidadão do restaurante, por trazer para dentro de nossos rituais religiosos, tais elementos fora de contexto! É claro que o cristianismo não é uma religião animista ou de ritos tribais de adoração. Se bem que tem muita gente trazendo práticas rituais do AT para seus cultos. Basta você ouvir dez minutos de música ou um pregador em qualquer FM “gospel”. Voltando...! Permitam-me apresentar um exemplo do cotidiano eclesiástico batista, que corrobora a semelhança. Lembro-me dos meus primeiros anos de membro de igreja “devidamente autorizado” a participar da Ceia do Senhor. Um objeto ritual marcante da cerimônia eram os “mini cálices” de vidro. Para alguns, eles reportam, a nostalgia dos bons tempos de um Status Quo de santificação (leia-se exclusão e elitização). Hoje, eles foram substituídos por copo plástico de 50 ml, esses onde usualmente se tomam cafezinhos. Para algumas igrejas foi à alternativa para um acelerado crescimento dos membros, ou a escolha para a celebração da Ceia livre, democrática, escancarada. Bom demais! Há também a questão de higiene... Mas não são esses motivos que me encabulam.

A minha inquietação ao usar esse exemplo, está no uso descuidado do material descartável, ufa! Cheguei onde queira! Quando digo descuidado é porque não estamos preocupados com o meio ambiente. Nós nem pensamos nisso! Não estou falando da sujeira das eventuais manchas de suco de uva, ou de vinhos de R$ 6,89 a garrafa de 750 ml. Más, sim dos inúmeros copinhos espalhados pelos bancos, ou pisoteados nas igrejas, que são colhidos pelos pacientes zeladores e lançados no lixo, junto com tudo o que vier, sem seletividade do lixo. E aí está a minha perturbação, o material está fora do contexto, copos descartáveis! Alguém pode dizer: – isso está parecendo uma apologia fundamentalista em forma de conto. “Os cálices de vidro - o retorno da Ceia ultra restrita.” Mas, não. Não é mesmo.

Deixe-me voltar para a situação do cidadão. Se ele tivesse mostrado um desses pratinhos de papelão que se usa para salgadinhos e falo daqueles sem revestimento plástico, prateado ou dourado, eu diria – Pode, pode sim! Mas não acredito que ele os usa-se. Julgo dizer, que ele os acharia fuleiros demais! Porém, por outro lado, seria uma alternativa barata! Já que acho que essa foi à preocupação que passou pela cabeça dele, por isso foram utilizados os pratinhos de isopor! Agora prosseguindo com o exemplo. Em minha opinião temos que buscar alguma alternativa, não sei se é a mais barata, para substituir os copinhos plásticos. Minha sugestão: Copos descartáveis de papel. Inclusive já há empresas que fabricam, mas prefiro que sejam confeccionados artesanalmente. Se possível pelos membros da comunidade. Não sei exatamente qual o tipo de papel, algum como papel 40, papel madeira, kraft ou cartolina, e com um tipo revestimento vegetal. Não estou falando de papel reciclado! Como disse anteriormente não podemos ser descuidados! O uso de material reciclado, como recipientes para acondicionamento ou para ingerir alimentos é uma roubada. Mini cálices de papel, com formato cônico. Na minha igreja tem até onde encaixa-los! Aqueles “buraquinhos” nas costas dos bancos, herança dos cálices de vidro. Que podemos usá-los sem nenhuma restrição. Democraticamente, escancaradamente para todos e todas tomar seus lugares a mesa.

Com esse amontoado de coisas expostas, e nem sei se consegui organizar as idéias, vou terminar repetindo a frese lá do restaurante, só que desta vez adaptada para nossa religiosidade cristã que não está, lamentavelmente, preocupada com as questões ecológicas dentro das práticas litúrgicas de nossas comunidades.

– Ei! Nós estamos fazendo errado! Copinhos descartáveis de plástico para a Ceia!? Não é ecológico, e Jesus num gosta não fio!!


Johndalison Tenório da Silva é membro da Igreja Batista do Pinheiro e aluno do 8º períiodo do Seminário Teológico Batista de Alagoas - SETBAL!!